terça-feira, 29 de maio de 2012

haja paz

Tece impacientemente
Não como o tecelão,
que tem o tempo que tem o mundo,
mas tece
também longamente.
Ansiosamente, porém.

Receosa,
de si desorientada,
abalada
nos fundamentos.
Tece teimosamente.

Sem raízes, sem prazer.
Como por castigo,
isolada
no degredo.

Aprendeu a gostar deste silêncio,
como quem se afeiçoou
às paredes de um jazigo,
anos depois
de se ter fechado
nelas.

Assaltada pelo medo,
única intimidade,
entregou-se à vertigem,
proprietária daquela sorte,
porque teima nela.

Enche de ecos surdos
o vazio
onde chama luz à penumbra.
Questão de hábito.

Tece um casulo.
E dali não sairá.
Porque ninguém percebeu
que só à força
se arranca à morte um morto.
De respeitos humanos estão as morgues cheias.
Para descanso dos hipócritas e cobardes.

2 comentários:

  1. Ser poeta é dizer algo que antes ninguém nos disse, mas que não é novo para nós.*

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  2. Pois é.
    E quando tropeçamos em palavras alheias que nos arrancam a confissão "É assim", tocamos um mistério: outra alma consegue dizer, sem sequer nos conhecer, aquilo que nos atravessa as entranhas.

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