sábado, 30 de junho de 2012

ludibrium

E procuras o quê
entre vidas abertas?
Onde leva
esse correr?

Quem sonha
morrer
soma vidas
não quer ficar

Passa
furtivo
conquista almas
sofre a partida

Larga-me
e fica
Chegaste
sem avisar

Prova o bem
com o mal
encosta o céu
à parede

cais sem destino

Peças perdidas
razões trocadas
sapatos antigos em caminhos forçados.
Sinais que não soube ler.

Não quer ter escolha.
Fez sempre assim.
E, de cada vez, deitou tudo a perder.

Ficou sempre no cais.
Com o peito em fogo
ao matraquear dos carris,
não ousou nunca saltar para dentro do comboio.

Hoje, tem o passo mais pesado.
O hábito de não correr atrás de comboios
casou com o medo de arriscar.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

cálculos pequenos

salvar a pele
nem que dela
pouco mais
fique

que restos
de vida
seca
imitações

camuflar
de nobreza
a infâmia
banal

e fugir

domingo, 24 de junho de 2012

ali

Rios por aí abaixo
e pedras presas
saudades trancadas
tudo orgulho cego
incapaz

Água limpa
e coisas novas
bem travadas
por fantasmas
acarinhados

Parada
tal qual criança
de pés fincados
teimosa
contra evidências

Desolação
vazia
vantagens perdidas
sacos cheios
de nada

sexta-feira, 22 de junho de 2012

While she hides the scars

enrolada

Irritação
Há que somar-lhe o orgulho
inseguranças herdadas
e acrescentadas

Exigências
altas fasquias
e fobias outras
num reduto de tristeza antiga

Está o caracol
naquela casca
e, de medo,
deixa-se escorregar

Desentendeu-se
com a luz do sol

quarta-feira, 20 de junho de 2012

fechado fora

Atrás das grades,
ruínas,
dispostas em dobras

Do lado de lá
o mundo fechado
a sete chaves

E não há
vida outra
naquela torre

quarta-feira, 13 de junho de 2012

tirita

Uma vez e uma ofensa
um horror
e exageros
dores
mágoas velhas

Partículas
e coisas maiores
o pó da estrada
acumulado
na passagem dos outros
por ali

Sofrimentos
e o medo deles
espasmo
e sede
muito betão armado
e silêncio frio

Tudo
multiplicado
por duas vezes
depois por muitas
mais

E perdeu-lhes a conta
perdeu
o pé
e o bom senso

Enrolada
na teia
que tece, frenética,
de memórias trocadas
não reconhece o presente
nem sabe onde está

A minha menina tem frio

stop

Possibilidades tem muitas.
Disseram-lhe que só podia escolher a melhor
e vencer sempre.

Por isso não se mexe dali

terça-feira, 12 de junho de 2012

o vazio levou tudo

Passou-se ali o quê - entre duas palavras,
um pensamento,
e horas de silêncio?

Passou a morte
e roubou-me
aquela alma,
presa num susto.

E agora
nem o vento ousa
gemer

Não seriam tão penosos
os dias,
se não fossem feitos
destes minutos
estancados.

ficou lá

Não poderia entregar
de si mais que uma ausência
presa na espera de quem não virá nunca ao encontro

quarta-feira, 6 de junho de 2012

mais devagar

Bruscamente, fechou-se.

Se as flores todas se fechassem assim,
Estaríamos uma pilha de nervos,
em alerta,
à espera do próximo estrondo.

tábuas de salvação

Um destes dias, salvo por uma joaninha
No mês passado, pelo perfume de uma desconhecida
Hoje, foram aquelas nuvens que nem labaredas

sobressalto

Sons do seu próprio coração
E assusta-se duas vezes

terça-feira, 5 de junho de 2012

igual a zero

Tudo medido, tudo pesado. Milímetros, partículas, migalhas. Acertos, contabilidades, saldos e dívidas. Memórias de perdas passadas, listas feitas de mágoas e erros - conservadas, emolduradas. Tem tudo guardado. E ficou sem nada.

turbulência

Magoada, se não é entendida. Assustada, quando, empenhado em percebê-la, consegue ler-lhe os medos, fraquezas e insegurança. Poderia ter esperado e saberia se pode confiar, mas foge antes disso, incapaz de se entregar.

é de perder

segunda-feira, 4 de junho de 2012

mão cortada, não rouba

Feliz - quase plenamente. Repousada, pelo menos. Segura. E seria assim sempre, se não fossem aqueles momentos quando a dúvida vinha turvar-lhe a paz e roubar-lhe a luz. O receio de perder tudo, a suspeita de traição, o medo de ser enganada. Convocados os fantasmas tremendos da solidão e do abandono, sucumbe, assediada pela angústia. Em pânico, repete então a fuga desesperada de sempre: antes só, que apavorada. O passo seguinte, inevitável, é expulsar aquele que, pela razão precisamente de uma presença e fidelidade, despoletou a insegurança.