sábado, 28 de julho de 2012

tem razão

"Só é tua a loucura, onde, com lucidez, te reconheças"
Miguel Torga in Diário XIII (Sísifo)

Torga engana-se. Nesse caso, não é loucura, a menos que estejamos a chamar loucura ao destemor. O louco não se sabe presa da loucura. Recusa admitir que a realidade não seja inteiramente abrangível pela razão. Não se conhece, por isto, a si próprio nem aos outros. Como dizia Chesterton, o louco não perdeu a razão - perdeu tudo, menos a razão. Ocorre pensarmos que o louco é livre, porque não se dobra à realidade. Falso - está refém de si próprio e alienado da realidade e dos outros.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

ilimitada

Definido
medido
pesado

por um fio
uma birra
um capricho

julgamento
em detalhe
sangue novo
tolo de certezas

arrogância
impertinente
adolescência
totalitária

Basta-se
a si própria
cuida
de se elogiar

E houve quem
pensasse
ser por insegurança
antes de a ver governar

terça-feira, 24 de julho de 2012

teimosos

Branca ou preta, talvez. Mas não do arco-íris, pois esta é bandeira que aos homossexuais não pertence. E não tem nada a ver com o direito de o serem ou de o fazerem. O arco-íris é a bandeira das diferenças. O mundo homossexual é o contrário, escolhe o igual, não quer o diferente. É dos heterossexuais esta teimosia em sofrer o atrito da diferença, em se deixar limar pelo contrário, em procurar entendimento com olhares opostos. Enfrentam o desafio eterno da diferença. Não desistem, apesar de se saberem levados por uma paixão que nunca terá sucesso perfeito. Não procuram a perfeição nem se satisfazem com o igual. Querem o diferente. Sucumbem ao fascínio do "outro". É deles a bandeira do arco-íris.

sem defesas

E quando
assim
da rocha sólida
sangram lágrimas

Da seara
luminosa
teimosa de vida
gemidos escapam

sinceros

É por menor
sofrimento?
A franqueza ingénua
é menos profunda?

É mais sério
o sério,
ou
o palhaço?

domingo, 22 de julho de 2012

camuflagem

Quer um bater
abrigar o mundo
Menos a cada um
para nenhum esquecer

E lindo seria
perfeito
se possível fosse
a perfeição

Se uma entrega
não negasse outra
se incluir
não rejeitasse

Sonhos ingénuos
do todo
em terra incompleta
enganam

Ocupar
o lugar de Deus
não depender
nem fraquezas admitir

Não reconhecer
o medo
resistir, defendida,
a entregar-se

sábado, 21 de julho de 2012

adia

E quando, diante dum portão
fechado
Um respirar se sustém
participando
da morte
como-que-fingida,
rasgado entre
a impaciência
de chamar à vida
e o receio
de recusa

Passa uma vida
e cada segundo
é agonia
cadafalso imortalizado

A rocha em areia
se desintegra
em pó fino
desfeita

São só perguntas
e todas
no silêncio
ouvem
não

São só campas novas
num jazigo
em obras
desventrado

É espera
sem promessas
sequer alivada
cega

É dor ténue
presente
que protesta
quando quer

Tortura
vândala, imberbe
feita
senhora e rainha

Dores de um parto
recusado
costas voltadas
a terras ao céu abertas

Um grito
não traz eco
A sinceridade foi banida
Inverno eterno decretado

Há um caminho
e bastaria
um passo, uma chama
que não se faz sem entrega

A morte
aqui
mascara-se
de vida quieta

domingo, 15 de julho de 2012

menos

Trevas
não conhece
tristeza, sim
O fundo do vazio
não viu
passou por angústias

Sabe,
no espaço
que lhe é dado,
gerir
perdas e ganhos
Aprendeu
que infelicidades
são capital

Nem por isso
é rica,
mais vítima
de enganos
que a si própria
traça

Voar,
voaria,
à beira da mão
tem outra vida
Não salta, porém.
Casou com um destino

sábado, 14 de julho de 2012

it's locked

concha

Guardou para si
de cada vez
o que a tocava,
comovida
ou magoada

segredos
trancados
privados

Pedras
pequenas,
outras maiores

E hoje tem
um muro
deixou de ver
para além dele
Fechou-se
em terreno minado

Há uma chave,
disse alguém,
para destrancar
aquela engrenagem
perra

Teria sido
(aparentemente)
simples de evitar
se de cada vez
tivesse sabido
revelar-se
entregar-se
confiar

Encerra,
trancada,
uma pérola
que a ninguém salva
e a ela pesa

quarta-feira, 4 de julho de 2012

horizonte

Sem querer nem sequer parar. Não lhe aconteça ver aquilo que pressentir evita. Daqui à morte, um passo. Nem desejar, nem querer. Anseia o repouso, como um corpo cansado procura cama e o torturado insensibilidade. Vão seria, prometer-lhe felicidade. Quer jazigo.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Méfiez-vous

Ah, rebenta o peito
em tormentos
- diria.
Não arme em poeta
- lhe responderia ela.
Sofrimentos banais,
que não os meus.

Méfiez-vous.

Seguir a voz
não é conselho
que se dê
a quem deixa falar
as entranhas

En garde.

Pisas
sem rede
vertentes
de abismo
Certa a queda

Méfiez-vous.

Tranquilidade, diz
Procura sossego
Nada desejar, aspira
Chama à morte
liberdade