sábado, 25 de agosto de 2012

On prendra le tram trente-trois

Ce soir j´attends Madeleine
Mais il pleut sur mes lilas
Il pleut comme toutes les s´maines
Et Madeleine n´arrive pas

(Brel)

ali na rua

Era uma vez
uma alegria
ali na rua
à espera

que reparem nela

as nuvens levam isto com graça

Uma e mais vezes
corre o esquilo
às avelãs
Bica o pica-pau
a larva

E bate dentro
um novelo de veias
rasgam, gritam
suadas
peles cansadas

Não há outra vida
senão esta encenada
num ritmo fingido
e chorar não sabe
mais

É já ali à frente
espere o dia
que a noite passe
arrasta-se, adia
surda

Não está
partiu
se dissolver-se pudesse
descansaria
insiste

Percurso
desfocado
cambalear errante
quer a lua
apagada

Que até
o brilho dela pálido
fere
as aparências
insubordinada

E nem sequer é grave
muito menos sério
se outros ventos
procurasse
voaria sem peso

Finca ali
os pés
guarda avelãs (três ou quatro)
matraqueia o tronco seco
onde não mora bicho

As nuvens
deixaram-se aquecer
traçam sorrisos
bailam no azul
Olha para elas!

não se autoriza

São traços só
de quando passou,
entre escassas memórias
teimosos

Era bom demais,
repete-se:
o querer inteiro
o desejo obcessão

Proíbe-se
obriga-se
expulsa vestígios
desmente a comoção

Entre dois repousos
estancada
aquele que o sol iluminava
e esta agonia parada

Um passarito assustado
nos ramos preso
daqueles olhos frondosos
sonha voar

hoje

Correm as mesmas sombras
atrás de sombras
fantasmas de sustos antigos
despertam o sono
gemidos surdos

A vida magoa
de tão viva
e a esperança
parece só castigadora
de sonhos

Falhanços e más escolhas
culpas e futilidades
mal enterrados
recusam-se ao silêncio
espreitam ali à esquina

Já não
sei recordar
o calor do sol no rosto
a luz na pele
os olhos de quem ama
nos meus

Cortar o encantamento
desatar a trança
descer desta torre
ousar dizer
à felicidade
que a quero minha

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

está lá?

Desculpe, mas não posso abrir. Estou à espera do meu príncipe encantado. Ainda espero, imagine-se, depois de tantos equívocos. E não abro. Cheguei a pensar ser ele, até que me apercebi ser mais um primitivo. De cada vez, o mesmo. Que horror, são imperfeitos. Vou arranjar outro, hei-de ter o meu príncipe. Inteligente (mas não mais que eu, seria desconfortável). Meigo (aquele outro era um bruto, afinal, dizia que tenho defeitos, o que considero um insulto inadmissível). Estará presente, será companhia (se me fartar ou me sentir irritada, ponho-o na rua). Virá sempre que o chame (chamarei a polícia, se não quiser sair). Entregar-lhe-ei o meu coração (ou não, se preferir o repouso ao amor, pois é dor a mais). Serei dele (quem manda sou eu). Será bom para mim (iria com patifes, porém). Sincero (sei adivinhar que mente, não me fio, a mim não me engana). E será forte, seguro de si (não suporto o ar de certeza, arma em superior). Há-de vir, o meu príncipe. Estou cansada de primitivos. A mim, já não enganam.

não aconteceu

Esconderam-se os pássaros,
nem memória
deixaram
Não falam as folhas das árvores
e o silêncio
emudeceu

Mil vezes receou,
ocupada a fugir
Não sabia estar,
escorregava-lhe
o presente
pelas escamas

Sopram os ventos
que pavor é sofrimento
e cálculo, cobardia
Vozes que não chegam
àquela concha,
fechada desde que
lhe comoveram
as entranhas

Tirita
longe de um abraço
não vá desfalecer-lhe
no peito
Parou a vida
e o sangue,
guarda-se intacta,
embalsamada,
preserva
o que não existe

E ninguém ousa
saber
se isto é força
ou fraqueza,
onde está
o querer
e o poder,
nem qual o lado
do mundo
que uma porta encerra

domingo, 5 de agosto de 2012

anda a monte

Ousada na linguagem, atrevida no simular, irreverente na sedução, desbocada no provocar. Encosta à parede os outros, choca e surpreende, goza o próximo e põe à prova.
Defendida neste jogo, atropela sem olhar. Ligeira, em pose leviana, dá-se ares, finge à-vontade. Até que, confrontada, foge, agarrada à máscara. E repete então não entender, porque dizem dela terrorista.
Era tudo a fingir.