sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

inerte

partes
de pedaços
que juntos
falham sentido

e somá-las
castigo
corrida de obstáculos
sem
meta
sem
prémio

como se os medos
travassem
asas
voos
desejo

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

estrondo

Antes que lhe seja dado o que pediu, apressa-se a erguer a fasquia, inquieta. Prefere o menos, conhecido e subordinado. O alarido serve-lhe de camuflagem, neste encolher de medo. Um truque bem treinado, para que ninguém perceba que aquela ousadia toda em palavras é só fuga à intimidade que a assusta.

Was sie will bekommt sie auch

Be my provider

terça-feira, 9 de outubro de 2012

nenhures

Quando tiver tudo arrumadinho e no seu lugar, escolherá rumos e caminhos. Quer tudo perfeito, sinais absolutos. Não aceita fazer ajustes pequenos, arriscar no dia-a-dia. Quer oito ou oitenta por serem inacessíveis.

trémula

Foge de si, trancada por falhanços antigos. Corre em sobressalto que se tornou carburante, viciada na exaustão que sabe virá. Entre o medo de morrer e o susto de viver.

sábado, 25 de agosto de 2012

On prendra le tram trente-trois

Ce soir j´attends Madeleine
Mais il pleut sur mes lilas
Il pleut comme toutes les s´maines
Et Madeleine n´arrive pas

(Brel)

ali na rua

Era uma vez
uma alegria
ali na rua
à espera

que reparem nela

as nuvens levam isto com graça

Uma e mais vezes
corre o esquilo
às avelãs
Bica o pica-pau
a larva

E bate dentro
um novelo de veias
rasgam, gritam
suadas
peles cansadas

Não há outra vida
senão esta encenada
num ritmo fingido
e chorar não sabe
mais

É já ali à frente
espere o dia
que a noite passe
arrasta-se, adia
surda

Não está
partiu
se dissolver-se pudesse
descansaria
insiste

Percurso
desfocado
cambalear errante
quer a lua
apagada

Que até
o brilho dela pálido
fere
as aparências
insubordinada

E nem sequer é grave
muito menos sério
se outros ventos
procurasse
voaria sem peso

Finca ali
os pés
guarda avelãs (três ou quatro)
matraqueia o tronco seco
onde não mora bicho

As nuvens
deixaram-se aquecer
traçam sorrisos
bailam no azul
Olha para elas!

não se autoriza

São traços só
de quando passou,
entre escassas memórias
teimosos

Era bom demais,
repete-se:
o querer inteiro
o desejo obcessão

Proíbe-se
obriga-se
expulsa vestígios
desmente a comoção

Entre dois repousos
estancada
aquele que o sol iluminava
e esta agonia parada

Um passarito assustado
nos ramos preso
daqueles olhos frondosos
sonha voar

hoje

Correm as mesmas sombras
atrás de sombras
fantasmas de sustos antigos
despertam o sono
gemidos surdos

A vida magoa
de tão viva
e a esperança
parece só castigadora
de sonhos

Falhanços e más escolhas
culpas e futilidades
mal enterrados
recusam-se ao silêncio
espreitam ali à esquina

Já não
sei recordar
o calor do sol no rosto
a luz na pele
os olhos de quem ama
nos meus

Cortar o encantamento
desatar a trança
descer desta torre
ousar dizer
à felicidade
que a quero minha

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

está lá?

Desculpe, mas não posso abrir. Estou à espera do meu príncipe encantado. Ainda espero, imagine-se, depois de tantos equívocos. E não abro. Cheguei a pensar ser ele, até que me apercebi ser mais um primitivo. De cada vez, o mesmo. Que horror, são imperfeitos. Vou arranjar outro, hei-de ter o meu príncipe. Inteligente (mas não mais que eu, seria desconfortável). Meigo (aquele outro era um bruto, afinal, dizia que tenho defeitos, o que considero um insulto inadmissível). Estará presente, será companhia (se me fartar ou me sentir irritada, ponho-o na rua). Virá sempre que o chame (chamarei a polícia, se não quiser sair). Entregar-lhe-ei o meu coração (ou não, se preferir o repouso ao amor, pois é dor a mais). Serei dele (quem manda sou eu). Será bom para mim (iria com patifes, porém). Sincero (sei adivinhar que mente, não me fio, a mim não me engana). E será forte, seguro de si (não suporto o ar de certeza, arma em superior). Há-de vir, o meu príncipe. Estou cansada de primitivos. A mim, já não enganam.

não aconteceu

Esconderam-se os pássaros,
nem memória
deixaram
Não falam as folhas das árvores
e o silêncio
emudeceu

Mil vezes receou,
ocupada a fugir
Não sabia estar,
escorregava-lhe
o presente
pelas escamas

Sopram os ventos
que pavor é sofrimento
e cálculo, cobardia
Vozes que não chegam
àquela concha,
fechada desde que
lhe comoveram
as entranhas

Tirita
longe de um abraço
não vá desfalecer-lhe
no peito
Parou a vida
e o sangue,
guarda-se intacta,
embalsamada,
preserva
o que não existe

E ninguém ousa
saber
se isto é força
ou fraqueza,
onde está
o querer
e o poder,
nem qual o lado
do mundo
que uma porta encerra

domingo, 5 de agosto de 2012

anda a monte

Ousada na linguagem, atrevida no simular, irreverente na sedução, desbocada no provocar. Encosta à parede os outros, choca e surpreende, goza o próximo e põe à prova.
Defendida neste jogo, atropela sem olhar. Ligeira, em pose leviana, dá-se ares, finge à-vontade. Até que, confrontada, foge, agarrada à máscara. E repete então não entender, porque dizem dela terrorista.
Era tudo a fingir.

sábado, 28 de julho de 2012

tem razão

"Só é tua a loucura, onde, com lucidez, te reconheças"
Miguel Torga in Diário XIII (Sísifo)

Torga engana-se. Nesse caso, não é loucura, a menos que estejamos a chamar loucura ao destemor. O louco não se sabe presa da loucura. Recusa admitir que a realidade não seja inteiramente abrangível pela razão. Não se conhece, por isto, a si próprio nem aos outros. Como dizia Chesterton, o louco não perdeu a razão - perdeu tudo, menos a razão. Ocorre pensarmos que o louco é livre, porque não se dobra à realidade. Falso - está refém de si próprio e alienado da realidade e dos outros.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

ilimitada

Definido
medido
pesado

por um fio
uma birra
um capricho

julgamento
em detalhe
sangue novo
tolo de certezas

arrogância
impertinente
adolescência
totalitária

Basta-se
a si própria
cuida
de se elogiar

E houve quem
pensasse
ser por insegurança
antes de a ver governar

terça-feira, 24 de julho de 2012

teimosos

Branca ou preta, talvez. Mas não do arco-íris, pois esta é bandeira que aos homossexuais não pertence. E não tem nada a ver com o direito de o serem ou de o fazerem. O arco-íris é a bandeira das diferenças. O mundo homossexual é o contrário, escolhe o igual, não quer o diferente. É dos heterossexuais esta teimosia em sofrer o atrito da diferença, em se deixar limar pelo contrário, em procurar entendimento com olhares opostos. Enfrentam o desafio eterno da diferença. Não desistem, apesar de se saberem levados por uma paixão que nunca terá sucesso perfeito. Não procuram a perfeição nem se satisfazem com o igual. Querem o diferente. Sucumbem ao fascínio do "outro". É deles a bandeira do arco-íris.

sem defesas

E quando
assim
da rocha sólida
sangram lágrimas

Da seara
luminosa
teimosa de vida
gemidos escapam

sinceros

É por menor
sofrimento?
A franqueza ingénua
é menos profunda?

É mais sério
o sério,
ou
o palhaço?

domingo, 22 de julho de 2012

camuflagem

Quer um bater
abrigar o mundo
Menos a cada um
para nenhum esquecer

E lindo seria
perfeito
se possível fosse
a perfeição

Se uma entrega
não negasse outra
se incluir
não rejeitasse

Sonhos ingénuos
do todo
em terra incompleta
enganam

Ocupar
o lugar de Deus
não depender
nem fraquezas admitir

Não reconhecer
o medo
resistir, defendida,
a entregar-se

sábado, 21 de julho de 2012

adia

E quando, diante dum portão
fechado
Um respirar se sustém
participando
da morte
como-que-fingida,
rasgado entre
a impaciência
de chamar à vida
e o receio
de recusa

Passa uma vida
e cada segundo
é agonia
cadafalso imortalizado

A rocha em areia
se desintegra
em pó fino
desfeita

São só perguntas
e todas
no silêncio
ouvem
não

São só campas novas
num jazigo
em obras
desventrado

É espera
sem promessas
sequer alivada
cega

É dor ténue
presente
que protesta
quando quer

Tortura
vândala, imberbe
feita
senhora e rainha

Dores de um parto
recusado
costas voltadas
a terras ao céu abertas

Um grito
não traz eco
A sinceridade foi banida
Inverno eterno decretado

Há um caminho
e bastaria
um passo, uma chama
que não se faz sem entrega

A morte
aqui
mascara-se
de vida quieta

domingo, 15 de julho de 2012

menos

Trevas
não conhece
tristeza, sim
O fundo do vazio
não viu
passou por angústias

Sabe,
no espaço
que lhe é dado,
gerir
perdas e ganhos
Aprendeu
que infelicidades
são capital

Nem por isso
é rica,
mais vítima
de enganos
que a si própria
traça

Voar,
voaria,
à beira da mão
tem outra vida
Não salta, porém.
Casou com um destino

sábado, 14 de julho de 2012

it's locked

concha

Guardou para si
de cada vez
o que a tocava,
comovida
ou magoada

segredos
trancados
privados

Pedras
pequenas,
outras maiores

E hoje tem
um muro
deixou de ver
para além dele
Fechou-se
em terreno minado

Há uma chave,
disse alguém,
para destrancar
aquela engrenagem
perra

Teria sido
(aparentemente)
simples de evitar
se de cada vez
tivesse sabido
revelar-se
entregar-se
confiar

Encerra,
trancada,
uma pérola
que a ninguém salva
e a ela pesa

quarta-feira, 4 de julho de 2012

horizonte

Sem querer nem sequer parar. Não lhe aconteça ver aquilo que pressentir evita. Daqui à morte, um passo. Nem desejar, nem querer. Anseia o repouso, como um corpo cansado procura cama e o torturado insensibilidade. Vão seria, prometer-lhe felicidade. Quer jazigo.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Méfiez-vous

Ah, rebenta o peito
em tormentos
- diria.
Não arme em poeta
- lhe responderia ela.
Sofrimentos banais,
que não os meus.

Méfiez-vous.

Seguir a voz
não é conselho
que se dê
a quem deixa falar
as entranhas

En garde.

Pisas
sem rede
vertentes
de abismo
Certa a queda

Méfiez-vous.

Tranquilidade, diz
Procura sossego
Nada desejar, aspira
Chama à morte
liberdade

sábado, 30 de junho de 2012

ludibrium

E procuras o quê
entre vidas abertas?
Onde leva
esse correr?

Quem sonha
morrer
soma vidas
não quer ficar

Passa
furtivo
conquista almas
sofre a partida

Larga-me
e fica
Chegaste
sem avisar

Prova o bem
com o mal
encosta o céu
à parede

cais sem destino

Peças perdidas
razões trocadas
sapatos antigos em caminhos forçados.
Sinais que não soube ler.

Não quer ter escolha.
Fez sempre assim.
E, de cada vez, deitou tudo a perder.

Ficou sempre no cais.
Com o peito em fogo
ao matraquear dos carris,
não ousou nunca saltar para dentro do comboio.

Hoje, tem o passo mais pesado.
O hábito de não correr atrás de comboios
casou com o medo de arriscar.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

cálculos pequenos

salvar a pele
nem que dela
pouco mais
fique

que restos
de vida
seca
imitações

camuflar
de nobreza
a infâmia
banal

e fugir

domingo, 24 de junho de 2012

ali

Rios por aí abaixo
e pedras presas
saudades trancadas
tudo orgulho cego
incapaz

Água limpa
e coisas novas
bem travadas
por fantasmas
acarinhados

Parada
tal qual criança
de pés fincados
teimosa
contra evidências

Desolação
vazia
vantagens perdidas
sacos cheios
de nada

sexta-feira, 22 de junho de 2012

While she hides the scars

enrolada

Irritação
Há que somar-lhe o orgulho
inseguranças herdadas
e acrescentadas

Exigências
altas fasquias
e fobias outras
num reduto de tristeza antiga

Está o caracol
naquela casca
e, de medo,
deixa-se escorregar

Desentendeu-se
com a luz do sol

quarta-feira, 20 de junho de 2012

fechado fora

Atrás das grades,
ruínas,
dispostas em dobras

Do lado de lá
o mundo fechado
a sete chaves

E não há
vida outra
naquela torre

quarta-feira, 13 de junho de 2012

tirita

Uma vez e uma ofensa
um horror
e exageros
dores
mágoas velhas

Partículas
e coisas maiores
o pó da estrada
acumulado
na passagem dos outros
por ali

Sofrimentos
e o medo deles
espasmo
e sede
muito betão armado
e silêncio frio

Tudo
multiplicado
por duas vezes
depois por muitas
mais

E perdeu-lhes a conta
perdeu
o pé
e o bom senso

Enrolada
na teia
que tece, frenética,
de memórias trocadas
não reconhece o presente
nem sabe onde está

A minha menina tem frio

stop

Possibilidades tem muitas.
Disseram-lhe que só podia escolher a melhor
e vencer sempre.

Por isso não se mexe dali

terça-feira, 12 de junho de 2012

o vazio levou tudo

Passou-se ali o quê - entre duas palavras,
um pensamento,
e horas de silêncio?

Passou a morte
e roubou-me
aquela alma,
presa num susto.

E agora
nem o vento ousa
gemer

Não seriam tão penosos
os dias,
se não fossem feitos
destes minutos
estancados.

ficou lá

Não poderia entregar
de si mais que uma ausência
presa na espera de quem não virá nunca ao encontro

quarta-feira, 6 de junho de 2012

mais devagar

Bruscamente, fechou-se.

Se as flores todas se fechassem assim,
Estaríamos uma pilha de nervos,
em alerta,
à espera do próximo estrondo.

tábuas de salvação

Um destes dias, salvo por uma joaninha
No mês passado, pelo perfume de uma desconhecida
Hoje, foram aquelas nuvens que nem labaredas

sobressalto

Sons do seu próprio coração
E assusta-se duas vezes

terça-feira, 5 de junho de 2012

igual a zero

Tudo medido, tudo pesado. Milímetros, partículas, migalhas. Acertos, contabilidades, saldos e dívidas. Memórias de perdas passadas, listas feitas de mágoas e erros - conservadas, emolduradas. Tem tudo guardado. E ficou sem nada.

turbulência

Magoada, se não é entendida. Assustada, quando, empenhado em percebê-la, consegue ler-lhe os medos, fraquezas e insegurança. Poderia ter esperado e saberia se pode confiar, mas foge antes disso, incapaz de se entregar.

é de perder

segunda-feira, 4 de junho de 2012

mão cortada, não rouba

Feliz - quase plenamente. Repousada, pelo menos. Segura. E seria assim sempre, se não fossem aqueles momentos quando a dúvida vinha turvar-lhe a paz e roubar-lhe a luz. O receio de perder tudo, a suspeita de traição, o medo de ser enganada. Convocados os fantasmas tremendos da solidão e do abandono, sucumbe, assediada pela angústia. Em pânico, repete então a fuga desesperada de sempre: antes só, que apavorada. O passo seguinte, inevitável, é expulsar aquele que, pela razão precisamente de uma presença e fidelidade, despoletou a insegurança.

terça-feira, 29 de maio de 2012

haja paz

Tece impacientemente
Não como o tecelão,
que tem o tempo que tem o mundo,
mas tece
também longamente.
Ansiosamente, porém.

Receosa,
de si desorientada,
abalada
nos fundamentos.
Tece teimosamente.

Sem raízes, sem prazer.
Como por castigo,
isolada
no degredo.

Aprendeu a gostar deste silêncio,
como quem se afeiçoou
às paredes de um jazigo,
anos depois
de se ter fechado
nelas.

Assaltada pelo medo,
única intimidade,
entregou-se à vertigem,
proprietária daquela sorte,
porque teima nela.

Enche de ecos surdos
o vazio
onde chama luz à penumbra.
Questão de hábito.

Tece um casulo.
E dali não sairá.
Porque ninguém percebeu
que só à força
se arranca à morte um morto.
De respeitos humanos estão as morgues cheias.
Para descanso dos hipócritas e cobardes.

domingo, 27 de maio de 2012

sem pouso

Cercou-se e encerrou-se. Atranvancou-se. Deixou um pequeno orifício para espreitar. Mas assustou-se, com o sopro do seu próprio respirar. Consumiu-a a ansiedade, pobre. E correu a procurar tudo o que tinha em redor, para de tudo fazer defesas, espinhos, carapaça, paus e ferros, armas do fogo que lhe queima a alma. Endureceu, toda ela crispação e medos. Até que, cansada (muito cansada), decidiu fingir-se morta.

E estaria bem, acreditou, se a deixassem assim morrer, sem a chamarem pelo nome, de volta à vida. Coisa irritante, ofensa suprema, desrespeito - agora que estava já meio-morta.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

miudezas

Acusar os outros de falhas que sabemos nossas, é fraqueza humana compreensível. Acontece aos melhores. Conta é aquilo que fazemos depois de cair em si. O que distingue uma pessoa honesta da gente pequena, é ousar reconhecer. A escolha do batoteiro é transvestir a cobardia em coragem, transformando-a em terrorismo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Não que não queira

Diz que não. Nem sequer porque não desejasse. Tem é receio de não conseguir. A inquietação que lhe vem desta insegurança, basta para lhe bloquear o desejo. O outro lado da margem torna-se mais distante com cada experiência abortada. Esboroada a confiança, resta-lhe, como única certeza, a crença na fatalidade do fracasso.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Stockholmssyndromet


Um pai
e um complexo de Elektra
Um autista
escondido
atrás de uma imagem
de génio

Perverteu
violou
os sentimentos
apoderou
a sensibilidade
tornou escrava
e cativa

Era só uma menina
esfomeada
de carinho
e sem mãe
que a protegesse

Insinuou-se
na intimidade
de uma alma escancarada
presa fácil
Sabia-se impune
Tinha-a por
indefesa
dependente
e propriedade

Se outros
podiam medi-lo
e perceber
desdenhar
humilhar
calar
afastar
Ela estava-lhe na mão
Dominador
Não hesita
perverter

Paralisou
atrofiou
uma filha
(estava justificado,
dizia não suportar crianças)
Deixou um ser coxo
enclausurada
trancada
nos calabouços
de uma paixão impossível
envenenada

Violada
na alma
nunca mais
soube olhar-se
nos olhos de um homem
entregar-se
acreditar ser amada

O carrasco
tem as chaves
daquele coração
É ali senhor
tirano
modelo
exemplo
meta

Confundida
no mais íntimo
Os homens magoam-na
por não serem
o pai
Quanto mais a amam
mais violenta a repulsa
(não pode abandonar-se,
está comprometida
com o carrasco)

Cresceu no
Stockholmssyndromet
Não pode ser mulher
enquanto
não matar
o pai

terça-feira, 17 de abril de 2012

agora não

Está ocupada
OCUPADA

com nada

Mas finge
vida de esfinge
dá-se ares
sopra apressada

parada

Tem tudo
em espera
mil afazeres
planos
projectos

Um grande livro
a escrever
se não morrer

adiado
desde que o sol
a viu nascer

Tem medo
merece carinho
e repouso

E chorar
choraria
se não estivesse
à espera
ocupada
de fazer nada

não dá

Não fala
e não responde
muda

desde que
lhe ficou
preso nas cordas

um sorriso

Mas largá-lo
nem pensar
tem-no seu
sente-o
na posse

Não sabe
(e será
que ainda aprende?)
que cativo
um sorriso
pesa na alma

desânimo

Cruel
pesada
a vida
que se mobila
no jazigo

Não vê
não sente
podia até
dizer
Bem-me-quer

Mas escolheu
fatal
assustada
chamar
a flor
Mal-me-quer

sábado, 14 de abril de 2012

e na falta tem abrigo

Calcorreia
pisando
a alma
parva
diante dela pasmada

Repisa
sem sentir
(e gemer
seria burro,
pois não há
mais fatal
que piedade
ou desdém,
à intimidade)

Inconsciência
consciente
maldade
por vício
vazio
e defesa
Sente que pisa
e que assim vive

Testa
põe à prova
sem poder
nunca trair
esperar
que não se afaste

Mas teme a si própria
sabendo
que bem pode
sucumbir
à compulsão
e não conseguir
articular um
"Fica"

Dois terrores
a consomem
desassossegam
entregar-se
sem reservas
e não saber
guardá-lo

Quem em calabouços
cresceu
beija-lhes
as paredes,
quem carinhos não teve
sente sua
a falta deles

com vista alegre

Sim, e porque, enfim,
tem nos pergaminhos
a segurança,
tudo demasiado pequeno
para ter onde
assentar os pés
e saber quem é

Mas que outra via,
querendo traçar fronteiras
em país de Liliput,
haveria,
senão erguer muros
a cortar a luz
para que claro fique
sermos nós,
que o vizinho, muito mais?

Ficaram
vã-glórias
ilusões acalentadas
em detalhe
e só
guerras e veneno
pois, mais que o nome
e admiração pelos antepassados,
contam
a cómoda, o anel, a moradia
e o Vista Alegre

domingo, 8 de abril de 2012

quando um dia

Quando o tempo te agarrar
pelas pernas
perras
quando as ilusões te deixarem
a sós
com a memória
de outros desencontros

Quando ecos
de presunções antigas
fizerem voz surda
com as sombras
de cálculos falhados
e o vazio
não admitir máscaras

Quando os fantasmas
tiverem esgotado
promessas impossíveis
e o silêncio
gritar o engano
de uma vida
mal apostada

Deixa que fale
a sede
em ti calada
tanto tempo
por medos algemada
de um toque
carinho e presença

sábado, 31 de março de 2012

Persinette, descendez vos cheveux..

Un jour que Persinette était seule à sa fenêtre, elle se mit à chanter le plus joliment du monde.

Un jeune prince chassait dans ce temps-là, il s'était écarté à la suite d'un cerf; en entendant ce chant si agréable, il s'en approcha et vit la jeune Persinette, sa beauté le toucha, sa voix le charma. Il fit vingt fois le tour de cette fatale tour, et n'y voyant point d'entrée, il pensa mourir de douleur, il avait de l'amour, il avait de l'audace, il eût voulu pouvoir escalader la tour.

Persinette, de son côté, perdit la parole quand elle vit un homme si charmant, elle le considéra longtemps tout étonnée, mais tout à coup, elle se retira de la fenêtre, croyant que ce fût quelque monstre, se souvenant d'avoir ouï dire qu'il y en avait qui tuaient par les yeux, et elle avait trouvé les regards de celui-ci très dangereux.

Le prince fut au désespoir de la voir ainsi disparaître; il s'informa aux habitations les plus voisines de ce que c'était, on lui apprit qu'une fée avait fait bâtir cette tour, et y avait enfermé une jeune fille. Il y rôdait tous les jours.

(Mademoiselle de La Force)

encantamento

Tenho uma donzela na torre alta de um castelo, encantada por feitiço que a prende - e a mim mata.

tell you something..

sexta-feira, 30 de março de 2012

arrasta

Numa roda viva
imobilizada
são perguntas
respondidas
cuja dor
não aceita

Intelectualmente
armadilhada
nos sentimentos
paralisada
flirta com a devastação
a portas fechadas

Arrasta tempos
idos
passado meditado
calcorreado por castigo
prisioneira
de velhas hesitações

desorientada

Paralelos
traçados
surpresas
caos da vontade
quando
a si deixada

Tortura
este fingir
aumentada
pelo vício
infantil
duma velha praxe

Ama
quando quer
ou espera
submissa
pelo impulso
sujeita e cativa?

Respostas
quereria
se as não temesse
ou não fosse
a inteligência
peso cruel.

a menos que

Solidão. Escolhida, por medo daquela imposta. Jogo de forças, sujeito de fraquezas soberanas. Não havendo surpresas, talvez tenha a sorte de iludir os medos fundos.

o trabalho dá sentido

Ali está. E trabalha, que o trabalho dá sentido. Sem perceber (ainda bem) a perversão: sabe o trabalho ser tirano, quando lhe é dada primazia. Antes não o perca, para não cair, pobre, no vazio. Ou antes perca, se algum dia tiver de conhecer outros céus mais altos.

sábado, 24 de março de 2012

standing in the shadows

sal

Subterrâneo sentimento
o medo da luz,
não vá a vida
surpreender
e pôr a nu
toda a fraqueza

Cais de espera
onde
coração nenhum
embarca,
de viagens falhadas
refém

Detalhadamente
em pormenor
minuciosamente
flagelada
pela memória
de oportunidades recusadas

A coerência
perversa
insiste,
tantos erros passados,
na pena máxima
e repete o rejeitar

E a mulher de Lot
olhou para trás
e ficou convertida
numa estátua de sal.

Não lhe ocorreu

Era mais fácil
querer
por receio de não ter
Mais forte que ela

Sofria, vítima,
incerteza
ciúme
torturas íntimas

Abaixo
da linha do mar
em emoções indomáveis
submersa

Desfalecida
à morte
sujeita
Coisa perversa

Deste amor
assim paixão
martírio imaturo
a criança quer repouso

Conhece apenas
ter pé
e o medo
de afogar

Não confessa

Marca passo
a poesia

e a alma rebela-se
torturada
não vá inteira
esvair-se
a água deste rio

Embala.
Mas não confessa
se traz a morte
ou quer dar
vida
e um regresso

Derrotada

Marca passo
a poesia
batente
em portas fechadas

irreverente
paixão

pelo cálculo
derrotada

grita calada
de viva voz

sábado, 10 de março de 2012

Nem todo o escuro é medo

Nem todo escuro é medo
se não aquele
que portas fecha
nem todo o sofrer destrói
e sangrar não mata

Uma vida arrumada
limpa
iluminada
engana
Paredes caiadas
podem esconder
o horror

Antes amar e errar
se por medo de errar
não ousas
O tempo não espera
quem no caminho
ignora
uma porta aberta

teimosa

Aprendiz de vida
há-de morrer
Antes, porém
muito antes
morria por ela a morte
dos encantos
presa fatais

E roubá-la
à vida
levá-la
morta a morte
de ciúmes fulminada
impaciente
deseja

Perdição anunciada
esta obsessão
que faz da morte
escrava
duma mulher teimosa
na paixão

sucumbir

Más as línguas
que tua doçura
sentem
podem azedas
ser?

Temem
porventura
o efeito
que aflige
a minha alma?

Sucumbir
ao doce suspirar,
nos olhos teus
naufragar,
da tua voz
prisioneiro ficar?

Já não sei
se morrer prefiro
aqui agora
de saudades
se ser moído
lentamente
pelas mós
dessa doçura
fatal.

quem pode

Deixar o poeta entrar
é arte que
tem de fogo
a força de uma luz
Mas pode queimar

não vá o poeta
em chamas
o interior incendiar.
Arderá ele por certo
consumido
pela emoção.

É um risco
que só corre
quem tem poder
para tal
Ou com o fogo brinca
como a criança
com a paixão.

sem ela

Nada mais avassalador
para o aprendiz de poeta
que saber cativa
a musa

ter fugidia
longe
a princesa
que o sono
lhe tira
sem poder tocar

ouvir-lhe a voz
bastaria
para se encontrar
com a alma
que lhe entregou

Cativo ele
sem ela
tem o mundo
vasto
por prisão
enquanto ela tem a cela

Vive de acendalhas
que apanha
ávido
palavras dela soltas
que acendem
a chama de versos novos

Who's Gonna Save My Soul, Now?

Mais medo de abrir que de fechar

Fechar, eu sei.
Abrir é que não.
Entram vândalos, ventos..
E mesmo o amor,
não esconde atrás dele
a rejeição?

Inteira me sinto.
Se me encosto,
quando te afastares, caio.
Se te encostas
é mais um peso.

Deixa-me ficar
no vazio
que é meu
Dele não há traição
Não me ama,
mas eu também não.

Cuidado
Tenho quatro espinhos
para os tigres.

Preso por ter cão

e por não te ter.

assédio cerrado

Infinita
essa noite de trevas
onde teimosa percorres
sendas tortuosas
do desespero antigo.

Que penas mais
para quem penas tem
castigos se impõe
incapaz de se dar
repouso.

Deixei de ouvir
um coração bater
não porque frio
desde que um muro
ergueu.

Montou-se um cerco
assédio cerrado
feito de fantasmas
por ela paridos
acalentados.

entre dois pontos

Uma linha recta seria
o caminho mais
curto
entre dois pontos.
Se assim quisesses.

Um atalho a direito
uniria
dois pontos
sem os perder.
Assim deixasses.

L'amour

‎"L'amour a été inventé par les femmes pour permettre à ce sexe de dominer alors qu'il était fait pour obéir"
Jean-Jacques Rousseau

sexta-feira, 9 de março de 2012

Recuar

Este presente que o não é
paralisado pelas memórias venenosas
do passado
repisado

Decisões que o não são
travadas por mil receios
capazes somente
de fugir e recuar

Sonhos que nada serão
penosas mascaradas
que evitam apenas
abraçar o presente

Amores que nada são
efémeras construções
que simulam
alternativas

A liberdade que o não é
nome falso de calabouço
onde livre se é apenas
de ousar

Na alma, tristeza lancinante
um gemido surdo
medo antigo
algemam-na, cativa

A minha menina sofre triste
com tanta felicidade adiada
já nem lembra o que é viver
foge ao sol e à luz

Tragam-me a minha princesa
vão-ma buscar, àquela torre
soltem-na, fantasmas vazios
Entreguem-ma, que é minha

sexta-feira, 2 de março de 2012

Guarda reservas. Mede, calcula. Não se permite trair receios, proibe-se ousadias. Fica-lhe uma saída, por falta de alternativas: fugir. À procura de um lugar protegido, no passado. Assustada, não sabe sair de um círculo que lhe vicia a existência.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Falta o pé

Resvalar é mais fácil do que parece.
E assim é, ainda, no momento que precede
a queda.
Não tinha que ser,
não to disse?
Estatelado,
nem sequer me vês,
riscado do teu horizonte.

Se a certeza de me teres
me retira valor,
o vazio que fica
é-te consolação?
Ou vives uma ilusão?
Que vida tem esse vazio?
Encheste-lo de ti?

Sabes o que é dar
sem receber?
Sabes o que é chorar?
Que sabes tu do sofrer,
nessa insistência
em te protegeres?
Sabes lá..

Os tormentos são
nenhuns,
se não os teus.
Alheia a dor
que não sentes.
De pau e palha,
a carne que não
a tua.

Morto me enterrarias
e vivo,
sem hesitar.
Morto me matarias,
e moribundo
deixarias.
Sem queixas
nem saudades.

Frio, este gelo,
com que uma das duas
nos castiga.
Mas se me confundes
com ela-tu que te traz cativa,
e a mim acusas
daquilo que te faz,
como posso libertar-te?

Resta-me só
ficar contigo de ti
cativo,
sem que sequer
as culpas
comigo partilhes?